quarta-feira, 30 de julho de 2014

Um olhar sobre a EEP nos idos de Julho


Na EEP há sempre portas e janelas abertas. Os postigos afastados de par em par enchem o edifício da Estrutura de luz e ar fresco. São como olhos que idealizam um futuro e fazem, os que sempre sofreram, ter esperança. São como as conversas das colaboradoras com as voluntárias na sala da costura: entre coseduras e bordados, partilham-se ideias para o “depois”, o que virá a seguir. A não esquecer é, no entanto, o cuidado com as correntes de ar. Se se pode sonhar na EEP, muitas outras dificuldades foram ultrapassadas e todas as condições são criadas para que o indivíduo possa recuperar a sua capacidade de olhar mais além.
De facto, visitando a EEP, distingue-se um cuidado muito especial nos relacionamentos entre todas as que lá trabalham. Ninguém sobe as escadas, passando em frente à sala da costura, sem oferecer uns bons-dias às colaboradoras e voluntárias. Isto, como exemplo representativo, mas trata-se de um exercício permanente. Às onze da manhã, se se passar pela escadaria que da sala de costura dá para o pátio, lá se encontrarão todas as trabalhadoras desta casa tão singular. Aproveitando o calor do sol ou a frescura da sombra, um lanchinho ou um cigarro, conversa-se. Sobre jardinagem ou culinária, sobre a cidade, sobre o país, sobre problemas pessoais… Muito se aprende e muito se partilha, revelando uma relação de proximidade entre todas e também um grande respeito por cada situação distinta. E nesta proximidade e cumplicidade que se vai desenvolvendo, cria-se um ambiente propício à resolução dos problemas, pois, como em todas as situações humanas, surgem as dificuldades, e nestas conversas, que não seriam mais do que um momento de descontracção, percebem-se pistas para compreender o outro e ajudá-lo a prosseguir em frente.
A EEP não é uma idealização utópica. É um trabalho árduo, muito pragmático e concreto, que exige de cada um um envolvimento permanente. É um trabalho que exige preocupação, como consequência do querer bem aos outros, de um comprometimento verdadeiro, sem meias medidas. Por isso, não só se ouvem risadas e conversas animadas nos intervalos do trabalho, como também silêncios. Por isso se veem sobrolhos franzidos quando algo inquieta. Mas também, por isso, existe uma grande dose de honestidade envolvida. Este mês, deu-se a passagem de uma das colaboradoras para uma nova etapa do acompanhamento na Estrutura. No momento em que esta mudança foi assinalada, o grupo de trabalhadoras e voluntárias da EEP, não só lhe deu os parabéns como sublinhou aqueles aspectos que cada uma considerava relevante serem revistos na sua atitude. Não parece algo fácil de ser feito. É algo apenas possível onde existe fé na capacidade de o outro decidir, uma vontade mútua de seguir em frente. Trata-se de uma construção para que todas contribuem. Todas têm um papel, mas nada de exterior é a palavra final na decisão de mudança. Concretiza-se pela escolha pessoal do indivíduo. O tecido e o local de trabalho são proporcionados; a agulha está nas mãos de quem pode coser a sua vida. E por isso, na EEP, o trabalho é temperado, como em todos os trabalhos que se centram no ser humano e dele dependem, com uma certa medida de incerteza. A exigência para com o trabalho das colaboradoras (no cumprimento das regras, na perfeição das peças,…) justifica-se na esperança e fé que depositam sobre elas. Esta consequente incerteza deixa espaço não apenas para a tristeza de um insucesso como para a surpresa de um resultado ainda melhor.
Há algo de especial em todas essas portas e janelas abertas para a vida. Aqui, a principal técnica não é o ponto pé-de-flor, é a técnica da dignidade: “Não vimos para aqui coser só panos, também vimos coser a nossa vida” – disse uma colaboradora. O ser humano está no centro de todo o trabalho da Estrutura e é em função dele que tudo é feito. Há, no fundo, a humanidade que hoje cada vez menos encontramos na indústria, direcionada para o lucro como fim supremo em detrimento das pessoas, seu motivo original. A participação da Equipa no II Festival de Crochet Social de Coimbra, para o qual contribuiu com uma peça bordada com o seu logótipo, relembra a importância destes espaços arejados, que, de janelas abertas, não esquecem as pessoas, fechando a porta à corrente de ar. A peça da Equipa ocupa agora um lugar do autocarro “Pantufinhas”, o lugar da Estrutura de Emprego da ERGUE-TE no acolhimento a todos aqueles que tropeçam no autocarro da vida.
                                                                                                           Maria Inês Morgado