sexta-feira, 7 de março de 2014

A essência de uma mulher

Sou cristã, procuro conhecer Deus através de Jesus Cristo e vivo todos os dias um encontro íntimo com Ele, que me torna feliz pois dá sentido à minha vida. Vivo a vida de uma forma agradecida e procuro servir Deus na co-construção do Reino. Porque Deus me ama assim, incondicionalmente, e me dá este sentido da vida, sinto uma alegria interior que me leva a querer falar Dele a todos, evangelizar. A minha missão é comunicar esta boa nova, é dar-me, é servir, é levar esta alegria ao outro. É Deus que opera através de mim.
Há momentos difíceis, em que não apetece sorrir… mas logo recordo como Deus me procurou quando andei perdida, como me perdoou 70x7, como me ama assim cheia de pecados, como é bom e misericordioso. Aí procuro o rosto de Deus nas pessoas do dia a dia e tento sorrir e ajudar os outros, diariamente, tal como fui também tantas vezes ajudada. Só pode amar quem foi amado.
No meu caminho tive a felicidade de encontrar a Equipa de Intervenção Social ERGUE-TE, das Irmãs Adoradoras, onde fui acolhida como psicóloga. Trabalhar no âmbito da inclusão social, sejam quais forem os rostos, é para mim O desafio da minha vida. Ser cristã integra o ser psicóloga e ter esta missão. É na atitude de confiança, alegria, amor e misericórdia que sou cristã no meu trabalho. Como psicóloga é-me pedido que aprenda a conhecer uma pessoa, convidando essa pessoa a fazer uma viagem de autoconhecimento comigo. É-me exigido que a ajude a (re)construir a sua identidade a partir da capacidade de se amar e de se perdoar, para se poder transformar. O potencial de cada um é muito pequeno, mas é com essa migalha que Deus faz os milagres nas páscoas que essas pessoas vivem. E depois é esperado que acompanhe os diferentes processos de autonomia de cada pessoa, de enviar cada uma em missão para uma nova vida, no sentido do Amor e da Alegria.
O que mais me fascina neste projeto, e com o qual muito me identifico, é a ênfase na autonomia e na cidadania plena, em detrimento do assistencialismo fácil e rápido, em que os resultados obtidos são naturalmente falaciosos. É um trabalho muito lento, o de mudar atitudes, identidades, promover projetos de vida alternativos ao contexto de prostituição, mas acredito que a revalorização do outro é a única forma de o levar a acreditar que tem valor. Desde o primeiro momento, em que paramos a carrinha na berma da estrada para abordar uma mulher em contexto de prostituição, ao momento em que essa mesma mulher vem ao gabinete e aceita o nosso apoio, que a nossa atitude é a de profundo respeito pela sua liberdade e individualidade. Na intervenção realizada, que se pretende rigorosa e de qualidade, o objetivo último é o da dignificação da pessoa pela sua inclusão social, através da sua inserção laboral. Só assim se pode pretender uma cidadania plena, a partir do sentimento de pertença a uma comunidade, não basta a mudança a nível intrapsíquico; tem de haver uma construção de uma rede social que nutra a resiliência e a empatia.
O mais fácil é amar estas mulheres desamadas e vítimas de toda a forma de violência, onde a prostituição é o rosto da perversão da nossa sociedade silenciosa e permissiva. Difícil é mudar a mentalidade assente na desigualdade de direitos, na indiferença face ao sofrimento, na aceitação ignorante que uma pessoa se possa prostituir por opção. Difícil é mudar os fatores familiares, económicos e sociais que permitem a violência, a injustiça, a pobreza, a promiscuidade e que levam à exclusão social, à exclusão de si, pela negação ao direito mais básico do ser humano, que é o direito de se amar. É urgente mudar estas mentalidades, seja pela educação das nossas crianças e jovens, seja por projetos de prevenção primária. Nunca a humanidade se preocupou tanto com os direitos do Homem como neste século, mas a mulher vítima da prostituição continua esquecida.
Muito temos a aprender com o riquíssimo legado de Santa Maria Micaela, que através deste seu Carisma de Adoração-Libertação, nos desafia diariamente a esta missão tão simples e complexa que é a de ver e servir Cristo presente nas mulheres exploradas.

Marta Neves

1 comentário:

AC disse...

Força, Marta Neves!
Que essa fé, essa força, inspiração,especialização sejam virais. Que saibamos discernir, unir esforços e fazer valer o bem. Para bem! Parabéns!