Compras o jornal
para ler notícias. Admito que possas ter um interesse particular pelas páginas
de política, de desporto ou de sociedade. Mas, claro, compras o jornal para ler
notícias – não pagas para jogar às palavras cruzadas ou para ver os signos. No
jornal (o que tu compras) procuras informação. No regional, pode até acontecer
que a tua vizinha apareça numa fotografia, ou que a prima de alguém tenha sido
notícia por qualquer coisa. Então, compras o jornal. Vais além da capa.
Procuras a tal fotografia, ficas mais tempo numa secção que outra – afinal nem
percebes nada de futebol, só queres mesmo saber se a miúda do acidente já
recuperou. Lês tudo, na ordem certa: começas em Coimbra, saltas as Cartas do
Leitor e as parcerias com a UC, passas no Tome Nota, segues do Desporto para a
Região, Nacional, Internacional e Opiniões.
És
um leitor, antes de começar já separaste as notícias dos classificados. Mas
também os vais ver - se não fossem do jornal não vinham com ele. Sabes que são
parte do financiamento. É ali que entra verba para o jornalismo livre e
independente! Depois da publicidade, vais conhecer os outros anunciantes, os
que (também) pagam aos teus jornalistas. Há apartamentos, vivendas, terrenos,
lojas, e de repente rabos, mamas, estrelinhas, fotos reais e primeiras vezes.
Não é uma questão de pudismo, a verdade é que os contactos, o “relax”, começam
a roçar o escandaloso. Há uma linha que separa… devia haver! Aqui não há espaço
para separações, és atacado pelos números das meninas, com promessas de beijos
na boca e carícias “mesmo até ao fim”.
Fecha o jornal, deita fora os
classificados. Mesmo assim fica a vergonha de teres visto mais do que querias.
Volta atrás no tempo, regressa ao início: quando compraste o jornal (para ler
notícias!). Sim, estás seguro, não pediste um cardápio sexual como bónus, não
havia nenhuma promoção, nenhum brinde. Não levaste, por engano, um magazine
porno! Eram os classificados do teu jornalzinho de todos os dias, com quem
costumas tomar café. Mas … o teu jornal? E as meninas que estão lá – amanhã
outra vez? Sim, com outros nomes, os mesmos contactos. A mesma “primeira vez” e
aquele fio dental arrepiante. Os peitos, as estrelas e as promessas – que tu
sempre soubeste que existiam, que o teu jornal mantinha num nível de decência
aceitável.
Já fizeste as
palavras cruzadas e já apreciaste as previsões astrais. O jornal vai agora
perder-se na tua mala, de onde só poderá sair no furo de almoço. Mas, ainda, e
como, se a surpresa da manhã não foi totalmente digerida. Terá sido um erro. As
imagens extraordinariamente nítidas, excessivamente aumentadas. O paginador, o
designer, alguém há-de assinar a errata na próxima edição. Sabes, confias, que
o teu jornal não se vende assim. Mas amanhã elas voltam ao mesmo sítio. Pago a
20 ou 30 euros diários, com prémios de regularidade – aumentos, no tamanho;
descontos, no preço.
Manténs ainda o hábito de separar os
classificados. Até que, um dia, no meio das linhas do jornalismo (livre e
independente) começarás a perguntar-te que meia hora de sexo financiou a
entrevista. Imaginas uma redação que emprega a loira de luxo, a joia de angola,
a travesty e a portuguesa furacão. Nesse dia vais perceber que não compraste o
jornal para ler notícias. Vais perceber (tarde demais?) que não foste sequer tu
que compraste o jornal – foram os classificados.
Mariana Pardal (Voluntária da Equipa ERGUE-TE)
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