Esclarecendo conceitos, definindo realidades
Consideramos importante estabelecer um padrão conceptual sobre alguns termos utilizados habitualmente no debate sobre a prostituição. Assim, procuramos definir alguns conceitos, tais como: tráfico de pessoas, tráfico de migrantes, prostituição, etc.
· Acções: recrutamento e transferência/movimento da pessoa;
· Meios: utilização de ameaças, uso da força ou outras formas de coacção, rapto fraude, engano, abuso de poder ou da situação de vulnerabilidade…;
· Fins: com fins de exploração (exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados, escravatura, servidão ou extracção de órgãos).
É necessário que se verifiquem estes três elementos para concluir que nos encontramos perante uma situação de tráfico.
No que diz respeito à Prostituição, geralmente, tende a ser entendida como a actividade na qual se mantêm relações sexuais com outras pessoas, a troco de dinheiro. A prostituição pode ser exercida de maneira autónoma (por decisão própria / gestão própria), ou bem, determinada por uma terceira pessoa (suposta de lucro alheio e/ou exploração sexual).
Uma modalidade deste fenómeno é a Prostituição com recurso à coacção ou forçada, com recurso à violência, intimidação ou engano; abuso de poder ou da vulnerabilidade ou necessidade da vítima, para o início ou o exercício continuado de uma pessoa na prática da prostituição, com a finalidade de daqui obter lucro alheio (lenocínio).
Esta actividade de carácter delituoso é perseguida penalmente na nossa legislação e, geralmente, é uma prática reprovada internacionalmente.
No entanto, é fundamental a sua diferenciação para evitarmos posturas simplificadas, que nos desfoquem a visão da realidade eminentemente plural.
3. Como é que falamos?
Em prol de uma linguagem inclusiva e não estigmatizanteO nosso interesse como Equipa é adoptar formas de actuar que não produzam – nem nos seus discursos, nem nos seus métodos – a vitimação, a marginalização, os juízos de valor ou a estigmatização das mulheres.
Por este motivo, detemo-nos no valor e na importância da linguagem, na construção do imaginário social sobre a prostituição e as mulheres: como nomear, que expressões utilizar, que imagens transmitir.
Para isso consideramos alguns princípios essenciais:
· Visibilidade: a prostituição existe na nossa sociedade nas suas diferentes manifestações; há pessoas - maioritariamente mulheres - que a exercem e a vivem. Isto há-de ser dito para que a própria sociedade possa assumir com responsabilidade a reflexão e a elaboração de propostas sobre esta realidade.
· Integração: isto quer dizer que a nossa linguagem não há-de contribuir para perpetuar a exclusão das mulheres. Referir-se às mulheres como agentes passivos, ainda que seja em prol do seu “benefício”, constitui marginalização e gera uma perspectiva que, por sua vez, não favorece processos de crescimento e aceitação pessoal.
· Inclusão: parece-nos que isto só é possível recorrendo a um determinado tipo de linguagem: respeitadora, dignificante e que contribua ao empowerment da mulher, bem como à criação da consciência da sua condição de mulher e cidadã.
Assim, pelos motivos expostos neste ponto e em todo o documento, as destinatárias do nosso programa são nomeadas com expressões como: “mulheres que exercem a prostituição”, “mulheres em prostituição”, “mulheres em contexto de prostituição”.
Também significamos e diferenciamos a realidade “mulheres vítimas de tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual”.
Na actualidade existem acções diversas que têm como destinatárias mulheres que exercem a prostituição. Assim, pareceu-nos conveniente perguntar-nos sobre aquilo que nos caracteriza e identifica a nossa prática quotidiana de apoio social a mulheres que exercem a prostituição. Depois de tudo o exposto anteriormente, podemos assinalar algumas opções metodológicas básicas que atravessam a proposta de intervenção do nosso programa:
· Integralidade e personalização: centramo-nos na mulher e não na prostituição entendida como o “problema”; trabalhamos a partir de uma visão integral da pessoa procurando “libertar nela o que a impede de continuar a crescer”.
· Normalização perante a problemática ou a vitimação. Consideramos essencial potenciar a autonomia e o “empowerment“ das mulheres, numa perspectiva de inclusão social.
· Acompanhamento: na nossa forma de estar procuramos um estilo mais próximo ao “ser com” que ao “fazer por”.
· Trabalho em rede: entendendo-o não como estratégia mas como princípio inerente à acção desenvolvida. Trabalhar em colaboração com outras entidades e recursos, permite-nos reconhecer que nem estamos sós, nem somos os únicos; que a nossa acção se vê complementada pelo trabalho de outras muitas pessoas e entidades com fins semelhantes.
· Especialização e Diversidade: consideramos que somos um programa específico, não generalista; isto é, um programa que está pensado e dirigido a mulheres que exercem a prostituição, incluindo as muitas especificidades e realidades que lhe possam estar inerentes.
· Atenção especializada: prestamos uma atenção específica às mulheres vítimas de tráfico e de prostituição forçada, por se tratar de duas realidades mais visíveis dentro da prostituição e que supõem uma situação de máxima vulnerabilidade e violação dos direitos fundamentais.
· Profissionalismo: é fundamental garantir a capacitação e o compromisso da equipa técnica como tarefa a ser conseguida. Deste modo, para além da configuração do carácter multidisciplinar, é importante poder contar com pessoas complementares que possuam capacidades e atitudes consonantes com as características do trabalho a desenvolver; que se identifiquem com os fins da entidade, com as características do programa concreto e tenham capacidade de adaptação e de trabalho em equipa.
· Trabalho em equipa: o vínculo e a relação estabelecida entre as mulheres e os profissionais é um dos eixos fundamentais da nossa acção. A equipa é espaço de reflexão, diálogo, partilha de ideias e toma de decisões conjunta, partindo da experiência pessoal e profissional.
· Transformação: toda a nossa acção há-de ser pautada por um princípio de mudança, que dê um contributo na denúncia e transformação das estruturas que perpetuam a desigualdade.
· Participação: acreditamos e apostamos na co-responsabilidade e participação das próprias mulheres. Facilitamos a sua participação nas tarefas de reflexão, análise, construção de estratégias de intervenção e avaliação de acções e projectos. Capacitamos e formamos as mulheres, para que se possam tornar referências positivas para outras mulheres. Perseguimos o desafio de continuar a implementar estas e outras estratégias concretas que facilitem o pensar e o construir com elas.
Fonte: "Sicar-Asturias: nuestra manera de ver las cosas"
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