sexta-feira, 17 de junho de 2011

Strauss-Kahn: uma metáfora das práticas do FMI

O leitor ou leitora pensará que foi uma tragédia o facto do Director-gerente do FMI, Strauss-Kahn, ter dado asas ao seu vício, a obsessiva busca por sexo perverso, nu, ao correr atrás de uma camareira negra na suite 2806 do hotel Sofitel em Nova York, até a agarrar, forçando-a a praticar sexo, com detalhes que a Promotoria de Nova York descreve em detalhes e que, por decência, dispenso-me de descrever. Para ele não era uma tragédia. Era uma vítima a mais, entre outras, que fez pelo mundo fora. Vestiu-se e foi directamente para o aeroporto. O cómico foi que, o imbecil, esqueceu-se do telemóvel na suite e assim pôde ser preso pela polícia ainda dentro do avião.

A tragédia ocorreu não com ele, mas com a vítima que ninguém se interessa por saber. O seu nome é Nafissatou Diallo, da Guiné, africana, muçulmana, viúva e mãe de uma filha de 15 anos. A polícia encontrou-a escondida atrás de um armário, a chorar e a vomitar, traumatizada pela violência sofrida pelo hóspede da suite, cujo nome nem sequer conhecia. A maior parte da imprensa francesa, com cinismo e indisfarçável machismo, procurou esconder o facto, alegando até uma possível armadilha contra o futuro candidato socialista à Presidência da República. O ex-ministro da cultura e educação, Jacques Lang, de quem se poderia esperar algum esprit de finesse, com desprezo, afirmou: "Afinal não morreu ninguém". Que deixe uma mulher psicologicamente destruída pela brutalidade do Mr. Strauss-Kahn não conta muito. Finalmente, para essa gente, trata-se apenas de uma mulher e africana. Mulher conta alguma coisa para este tipo de mentalidade atrasada, senão para ser mero "objecto de cama e mesa"?


Para sermos justos, temos que ver este facto a partir do olhar da vítima. Aí dimensionamos o seu sofrimento e a humilhação de tantas mulheres no mundo que são sequestradas, violadas e vendidas como escravas do sexo. Só uma sociedade que perdeu todo o sentido de dignidade e se brutalizou pela predominância de uma concepção materialista de vida que faz de tudo objecto e mercadoria, pode possibilitar tal prática. Hoje, tudo se tornou mercadoria e ocasião de ganho, desde os bens comuns da humanidade, privatizados (água, solos, sementes), até órgãos humanos, crianças e mulheres prostituídas. Se Marx visse esta situação ficaria seguramente escandalizado, pois para ele o capital vive da exploração da força de trabalho mas não da venda de vidas. No entanto, já em 1847 na Miséria da Filosofia intuía: "Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico e podia alienar-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas jamais trocadas, dadas, mas jamais vendidas: adquiridas mas jamais compradas, como a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência, em que tudo passou para o comércio. Reina o tempo da corrupção geral e da venalidade universal....em que tudo é levado ao mercado".

Strauss-Kahn é uma metáfora do actual sistema neoliberal. Suga o sangue dos países em crise como a Islândia, a Irlanda, a Grécia, Portugal e agora a Espanha como fizera antes com o Brasil e os paises da América Latina e da Ásia. Para salvar os bancos e obrigar a saldar as dívidas, arrasam a sociedade, desempregam, privatizam bens públicos, diminuem salários, aumentam os anos para as aposentadorias, fazem trabalhar mais horas. Só por causa do capital. O articulador destas políticas mundiais, entre outros, é o FMI, do qual Strauss-Kahn era a figura central.

O que ele fez com Nafissatou Diallo é uma metáfora daquilo que estava a fazer com os países em dificuldades financeiras. Mereceria cadeia não só pela violência sexual contra a camareira mas muito mais pelo abuso económico ao povo, que ele articulava a partir do FMI. Estamos desolados.


Leonardo Boff

Teólogo/Filósofo

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