segunda-feira, 13 de junho de 2011

Projecto Sicar - Astúrias

Irmãs Adoradoras, Gijón

Programa de apoio social / integral a mulheres que exercem a prostituição


1.    Princípios: Relação presente, passado e futuro

Este Projecto pretende dar continuidade à intuição e ao desejo de Sta. Maria Micaela. Ela, Micaela Desmasières, fundadora das Irmãs Adoradoras, começou no ano de 1844 o primeiro dos seus projectos, dirigido a oferecer apoio e formação às mulheres que, naquela altura, exerciam a prostituição. A perspectiva educativa da sua acção, assim como o modo de se situar e entender estas mulheres supôs, na sua época, a abertura de um caminho novo e incompreensível para muitos.
Actualmente, a própria conceitualização da prostituição, assim como o contexto social, cultural e económico, e o papel que as mulheres nele desempenham, não só mudou mas atingiu escalas mundiais.

Alguns dos princípios que hoje inspiram a nossa missão e guiam a nossa acção quotidiana, encontram a sua origem na forma como Micaela entendia a pessoa, e no seu estilo de actuar que denominava “pedagogia do amor”.

Destacamos alguns dos nossos princípios de actuação:
·  Colocar as mulheres no centro da nossa acção;
·  Considerar as mulheres como sujeitos e agentes activos da sua própria vida;
·  Respeitar a liberdade individual e a voluntariedade da mulher, promovendo uma acção de apoio e acompanhamento em qualquer situação, circunstância e interesse;
·  Acolher cada mulher de forma incondicional e trabalhar para reduzir o estigma e os seus efeitos na pessoa.

Ao analisarmos o nosso programa sentimos também alguns desafios:
·  Fazê-lo com a mesma paixão de Micaela;
·  Construir linhas pedagógicas que promovam o crescimento pessoal, com respeito e liberdade;
·  Não esquecer que a missão fundamental é promover os direitos das mulheres;
·  Promover uma aposta clara em acompanhar, e não em dirigir.


2.    Algumas questões de fundo: Pressupostos básicos               

 Actualmente existe um debate social acerca da prostituição, que se posiciona entre duas correntes feministas contrapostas: abolicionista e pró-direitos.

O feminismo abolicionista entende a prostituição – em todas as suas modalidades – como uma forma de escravidão, exploração e violência contra as mulheres, negando a possibilidade da prostituição ser exercida de forma voluntária. O abolicionismo defende um modelo de despenalização da prostituição, considerando a mulher que se prostitui como vítima e, por isso, objecto de protecção. Ao mesmo tempo, se tipifica e sanciona o proxenetismo e a demanda, isto é, o cliente. Como paradigma deste modelo, temos o exemplo da Suécia.

Por outro lado, o feminismo pró-direitos parte da existência de um sistema de dominação patriarcal, no qual se utiliza o estigma “puta” como mecanismo de subordinação e controlo sobre a conduta das mulheres. Esta perspectiva aborda a instrumentalização da sexualidade como uma forma de exercer a liberdade da mulher, com o requisito do seu consentimento e libertando-a de um tratamento vitimista. Em termos legislativos, o movimento pró-direitos defende a legalização da prostituição, atribuindo a esta actividade um carácter laboral e outorgando direitos e obrigações às pessoas que a exercem. Do ponto de vista pragmático é a legislação holandesa a que mais se aproxima deste modelo.

Ainda que sejam claras as grandes diferenças entre as duas correntes, têm pontos de encontro: uma e outra defendem a necessidade de perseguir o tráfico e a prostituição forçada, e rejeitam modelos proibicionistas e “regulamentistas” que prejudicam os direitos das mulheres que exercem a prostituição.

Neste processo de construção teórico-prático, não sentimos a necessidade, como equipa, de identificar-nos com nenhuma das posições vigentes, no entanto, procuramos resgatar o melhor que cada uma pode dar a este debate. Constatamos que a realidade é complexa e dinâmica, por isso consideramos mais acertado manter uma atitude flexível que nos permita detectar as arestas da realidade para podermos responder melhor às suas questões e exigências. Assim, acreditamos que é possível construir posições mais integradoras que nos permitam caminhar, encontrar pontos convergentes e unir esforços no trabalho a favor dos direitos das mulheres, contando com as próprias mulheres.

2.1.   De quem é que estamos a falar?
      Mulheres protagonistas e participantes

Quando se fala de prostituição é habitual ouvirem-se histórias ou testemunhos de mulheres que ilustram cada um dos argumentos, a favor ou contra. Por isso, mais que falar de prostituição, preferimos falar de mulheres que se prostituem, porque, é na vida que compartilhamos com elas, que vamos aprendendo a sentir-nos co-responsáveis, e aí as posições flexibilizam-se e adquirem contornos próprios.

Na nossa perspectiva, existem alguns elementos-chave, que nos podem ajudar a compreender melhor quem são e como vivem as mulheres que exercem a prostituição.

Estes elementos são decisivos na configuração do nosso programa:
  ·  Entendemos que a prostituição continua estreitamente ligada à desigualdade de oportunidades;
  ·  A prostituição é utilizada como estratégia de vida por muitas mulheres, especialmente as mulheres migrantes;
  ·  Observamos outros elementos de interesse nas diferentes formas de vivência da prostituição: mulheres coagidas ou pressionadas por terceiros; mulheres que, devido às suas condições não têm condições de procurar outras possibilidades; mulheres que, mesmo com outras oportunidades, decidem dedicar-se à prostituição.

Negar uma destas possibilidades é negar a experiência de outras tantas mulheres, e a possibilidade de as acompanhar e de caminhar com elas.


Continua...


Fonte: "Sicar-Asturias: nuestra manera de ver las cosas"

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